BEM VINDO

Animum exerce in optimis rebus

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Banquete - parte 5 - Sócrates versus Agatão

SÓCRATES x AGATÃO

Depois que falou Agatão, continuou Aristodemo, todos os presentes aplaudiram, por ter o jovem falado à altura do seu talento e da dignidade do deus.

Sócrates então olhou para Erixímaco e lhe disse:

- Porventura, ó filho de Acúmeno, parece-te que não tem nada de temível o temor que de há muito sinto, e que não foi profético o que há pouco eu dizia, que Agatão falaria maravilhosamente, enquanto que eu me havia de embaraçar?

- Em parte - respondeu-lhe Erixímaco - parece-me profético o que disseste, que Agatão falaria bem; mas quanto a te embaraçares, não creio.

- E como, ditoso amigo - disse Sócrates - não vou embaraçar-me, eu e qualquer outro, quando devo falar depois de proferido um tão belo e colorido discurso? Não é que as suas demais partes não sejam igualmente admiráveis; mas o que está no fim, pela beleza dos termos e das frases, quem não se teria perturbado ao ouvi-lo? Eu por mim, considerando que eu mesmo não seria capaz de nem de perto proferir algo tão belo, de vergonha quase me retirava e partia, se tivesse algum meio. Com efeito, vinha-me à mente o discurso de Górgias, a ponto de realmente eu sentir o que disse Homero: temia que, concluindo, Agatão em seu discurso enviasse ao meu a cabeça de Górgias, terrível orador, e de mim mesmo me fizesse uma pedra, sem voz. Refleti então que estava evidentemente sendo ridículo, quando convosco concordava em fazer na minha vez, depois de vós, o elogio ao Amor, dizendo ser terrível nas questões de amor, quando na verdade nada sabia do que se tratava, de como se devia fazer qualquer elogio. Pois eu achava, por ingenuidade, que se devia dizer a verdade sobre tudo que está sendo elogiado, e que isso era fundamental, da própria verdade se escolhendo as mais belas manifestações para dispô-las o mais decentemente possível; e muito me orgulhava então, como se eu fosse falar bem, como se soubesse a verdade em qualquer elogio. No entanto, está aí, não era esse o belo elogio ao que quer que seja, mas o acrescentar o máximo à coisa, e o mais belamente possível, quer ela seja assim quer não; quanto a ser falso, não tinha nenhuma importância. Foi com efeito combinado como cada um de nós entenderia elogiar o Amor, não como cada um o elogiaria. Eis por que, pondo em ação todo argumento, vós o aplicais ao Amor, e dizeis que ele é tal e causa de tantos bens, a fim de aparecer ele como o mais belo e o melhor possível, evidentemente aos que o não conhecem - pois não é aos que o conhecem - e eis que fica belo, sim, e nobre o elogio.

Mas é que eu não sabia então o modo de elogiar, e sem saber concordei, também eu, em elogiá-lo na minha vez: “a língua jurou, mas o meu peito não”; que ela se vá então. Não vou mais elogiar desse modo, que não o poderia, é certo, mas a verdade sim, se vos apraz, quero dizer à minha maneira, e não em competição com os vossos discursos, para não me prestar ao riso. Vê então, Fedro, se por acaso há ainda precisão de um tal discurso, de ouvir sobre o Amor dizer a verdade, mas com nomes e com a disposição de frases que por acaso me tiver ocorrido. Fedro então, disse Aristodemo, e os demais presentes pediram-lhe que, como ele próprio entendesse que devia falar, assim o fizesse. - Permite-me ainda, Fedro - retornou Sócrates - fazer umas perguntinhas a Agatão, a fim de que tendo obtido o seu acordo, eu já possa assim falar.

- Mas sim, permito - disse Fedro. - Pergunta!

E então, disse Aristodemo, Sócrates começou mais ou menos por esse ponto.

- Realmente, caro Agatão, bem me pareceste iniciar teu discurso, quando dizias que primeiro se devia mostrar o próprio Amor, qual a sua natureza, e depois as suas obras. Esse começo, muito o admiro. Vamos então, a respeito do Amor, já que em geral explicaste bem e magnificamente qual é a sua natureza, dize-me também o seguinte: é de tal natureza o Amor que é amor de algo ou de nada? Estou perguntando, não se é de uma mãe ou de um pai - pois ridícula seria essa pergunta, se Amor é amor de um pai ou ele uma mãe - mas é como se, a respeito disso mesmo, de “pai”, eu perguntasse: “Porventura o pai é pai de algo ou não? Ter-me-ias sem dúvida respondido, se me quisesses dar uma bela resposta, que é de um filho ou de uma filha que o pai é pai ou não?”

- Exatamente - disse Agatão.
- E também a mãe não é assim?
- Também - admitiu ele.
- Responde-me ainda, continuou Sócrates, mais um pouco, a fim de melhor compreenderes o que quero. Se eu te perguntasse: “E irmão, enquanto é justamente isso mesmo que é, é irmão de algo ou não?”
- É, sim, disse ele.
- De um irmão ou ele uma irmã, não é? Concordou.
- Tenta então, continuou Sócrates, também a respeito do Amor dizer-me: o Amor é amor de nada ou de algo?
- De algo, sim. - Isso então, continuou ele, guarda contigo, lembrando-te de que é que ele é amor; agora dize-me apenas o seguinte: Será que o Amor, aquilo de que é amor, ele o deseja ou não?
- Perfeitamente - respondeu o outro.
- E é quando tem isso mesmo que deseja e ama que ele então deseja e ama, ou quando não tem? - Quando não tem, como é bem provável - disse Agatão.
- Observa bem, continuou Sócrates, se em vez de uma probabilidade não é uma necessidade que seja assim, o que deseja deseja aquilo de que é carente, sem o que não deseja, se não for carente. É espantoso como me parece, Agatão, ser uma necessidade; e a ti?
- Também a mim - disse ele.
- Tens razão. Pois porventura desejaria quem já é grande ser grande, ou quem já é forte ser forte?
- Impossível, pelo que foi admitido.
- Com efeito, não seria carente disso o que justamente é isso.
- É verdade o que dizes.
- Se, com efeito, mesmo o forte quisesse ser forte, continuou Sócrates, e o rápido ser rápido, e o sadio ser sadio - pois talvez alguém pensasse que nesses e em todos os casos semelhantes os que são tais e têm essas qualidades desejam o que justamente têm, e é para não nos enganarmos que estou dizendo isso - ora, para estes, Agatão, se atinas bem, é forçoso que tenham no momento tudo aquilo que tem, quer queiram, quer não, e isso mesmo, sim, quem é que poderia desejá-lo? Mas quando alguém diz: “Eu, mesmo sadio, desejo ser sadio, e mesmo rico, ser rico, e desejo isso mesmo que tenho”, poderíamos dizer-lhe: “O homem, tu que possuis riqueza, saúde e fortaleza, o que queres é também no futuro possuir esses bens, pois no momento, quer queiras quer não, tu os tens; observa então se, quando dizes “desejo o que tenho comigo”, queres dizer outra coisa senão isso: “quero que o que tenho agora comigo, também no futuro eu o tenha.” Deixaria ele de admitir? Agatão, dizia Aristodemo, estava de acordo.

Disse então Sócrates: - Não é isso então amar o que ainda não está à mão nem se tem, o querer que, para o futuro, seja isso que se tem conservado consigo e presente?
- Perfeitamente - disse Agatão.
- Esse então, como qualquer outro que deseja, deseja o que não está a mão nem consigo, o que não tem, o que não é ele próprio e o de que é carente; tais são mais ou menos as coisas de que há desejo e amor, não é?
- Perfeitamente - disse Agatão.
- Vamos então, continuou Sócrates, recapitulemos o que foi dito. Não é certo que é o Amor, primeiro de certas coisas, e depois, daquelas de que ele tem precisão?
- Sim - disse o outro.
- Depois disso então, lembra-te de que é que em teu discurso disseste ser o Amor; se preferes, eu te lembrarei. Creio, com efeito, que foi mais ou menos assim que disseste, que aos deuses foram arranjadas suas questões através do amor do que é belo, pois do que é feio não havia amor. Não era mais ou menos assim que dizias?
- Sim, com efeito - disse Agatão.
- E acertadamente o dizes, amigo, declarou Sócrates; e se é assim, não é certo que o Amor seria da beleza, mas não da feiúra? Concordou.
- Não está então admitido que aquilo de que é carente e que não tem é o que ele ama?
- Sim - disse ele.
- Carece então de beleza o Amor, e não a tem?
- É forçoso.
- E então? O que carece de beleza e de modo algum a possui, porventura dizes tu que é belo?
- Não, sem dúvida.
- Ainda admites por conseguinte que o Amor é belo, se isso é assim?
E Agatão: - É bem provável, ó Sócrates, que nada sei do que então disse?
- E no entanto, prosseguiu Sócrates, bem que foi belo o que disseste, Agatão. Mas dize-me ainda uma pequena coisa: o que é bom não te parece que também é belo?
- Parece-me, sim.
- Se portanto o Amor é carente do que é belo, e o que é bom é belo, também do que é bom seria ele carente.
- Eu não poderia, ó Sócrates, disse Agatão, contradizer-te; mas seja assim como tu dizes.- É à verdade, querido Agatão, que não podes contradizer, pois a Sócrates não é nada difícil.

Nenhum comentário: