BEM VINDO

Animum exerce in optimis rebus

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Metafísica A,1

Alunos do 1º Ano 2008, bem vindos ao Blog.

Aí abaixo está o texto da Metafísica A,1, que será usado nas aulas.



METAFÍSICA A, 1

(Aristóteles – 384-322 a.C.)

Todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal disso é o prazer que nos proporcionam os nossos sentidos; pois ainda que não levemos em conta a sua utilidade, são estimados por si mesmos; e, acima de todos os outros, o sentido da visão. Com efeito, não só com o intento de agir, mas até quando não nos propomos fazer nada, pode-se dizer que preferimos ver a tudo mais. O motivo disto é que, entre todos os sentidos, é a visão que põe em evidência e nos leva a conhecer maior número de diferenças entre as coisas.

Os animais são naturalmente dotados da faculdade de sentir, e em alguns deles a sensação gera a memória, ao passo que em outros isso não acontece. Em conseqüência, os primeiros são mais inteligentes e mais aptos para aprender do que aqueles que não possuem memória; os que não têm a capacidade de ouvir sons são inteligentes, embora não possam ser ensinados, sirva de exemplo a abelha e qualquer outra raça de animais que se assemelham a ela; e os que, além da memória também possuem esse sentido da audição, podem ser ensinados.

Os outros animais vivem de aparências e reminiscências, carecendo quase completamente de experiência concatenada; mas a raça humana vive também pela arte e pelo raciocínio. Nos homens, a memória gera a experiência, pois as diversas recordações da mesma coisa acabam por produzir a capacidade de uma só experiência. E esta se parece muito com a ciência e a arte; mas na realidade a ciência e a arte nos chegam através da experiência; porque "a experiência fez a arte", como diz Pólo; “e a inexperiência fez o acaso". Ora, a arte surge quando, de muitas noções fornecidas pela experiência se produz em nós um juízo universal a respeito de uma classe de objetos. Porquanto formar o juízo de que tal remédio curou Cálias quando sofria de certa doença, e da mesma forma no caso de Sócrates e de muitos outros indivíduos, é questão de experiência; mas julgar que esse remédio tem curado todas as pessoas de determinada constituição, definida como uma classe, quando padeciam de tal doença - p. ex., pessoas fleumáticas ou biliosas ardendo em febre - isso é questão de arte.

No que se relaciona com a ação, a experiência não parece em nada ser inferior à arte, e os homens experimentados têm até melhor êxito do que aqueles que possuem a teoria sem a experiência. A razão disto é que a experiência é conhecimento do particular e a arte do universal;ora todas as ações e produções visam sempre o caso particular, pois o médico não cura o homem, salvo por uma decorrência acidental, mas a Cálias, a Sócrates ou a algum outro que tenha um nome individual como estes e que, acidentalmente, seja um homem. Se, por conseguinte alguém possui a teoria sem a experiência e reconhece o universal sem, no entanto conhecer o indivíduo que nele se inclui esse alguém muitas vezes falhará no tratamento, já que é o indivíduo que cumpre curar. Apesar disso, pensamos que o conhecimento e a compreensão pertencem antes à arte do que à experiência, e julgamos os teóricos mais sábios do que os empíricos (de onde se conclui que em todos os homens a Sabedoria depende, antes de mais nada, do conhecimento); e isso porque os primeiros conhecem a causa e os segundos, não. Com efeito, os empíricos sabem que a coisa é assim, mas ignoram o porquê, enquanto os outros conhecem o porquê e a causa. Pelo mesmo motivo temos maior estima pelos mestres de qualquer arte do que pelos obreiros e os consideramos mais sábios e mais conhecedores, no verdadeiro sentido da palavra, do que estes últimos, porque conhecem as causas do que se faz (os obreiros são comparados a certas coisas inanimadas que efetivamente trabalham, mas sem saber o que fazem, como o fogo queima; mas, enquanto as coisas inanimadas realizam as suas funções por uma tendência natural, os obreiros as desempenham em virtude do hábito); e assim, nós os julgamos mais sábios não por terem a capacidade de agir, mas por possuírem a teoria e conhecerem as causas. E, em geral, é indício do homem que sabe e do que não sabe a aptidão do primeiro para ensinar, e daí julgarmos que a arte é um conhecimento mais genuíno do que a experiência, pois são os teóricos, e não os empíricos, que podem ensinar.

Por outro lado, não identificamos nenhum dos sentidos com a Sabedoria, se bem que eles nos proporcionem o conhecimento mais fidedigno do particular. Não nos dizem, contudo, o porquê de coisa alguma p. ex:, por que o fogo é quente; só nos dizem que o fogo é quente. É natural, pois, que o primeiro inventor de qualquer arte que fosse além das sensações comuns da humanidade se tornasse alvo da admiração dos homens, não só pela utilidade que tinham as invenções, mas por ser reputado sábio e superior aos demais. À medida, porém, que foram sendo inventadas novas artes, algumas das quais tinham em mira as necessidades da vida e outras a recreação, é natural que os inventores das segundas sempre fossem considerados mais sábios que os das primeiras, porque os seus ramos de conhecimento não visavam à utilidade. Daí resulta que, uma vez estabelecidas todas essas invenções, foram descobertas as ciências que não têm por objeto nem o prazer, nem a utilidade; e isso aconteceu primeiro naqueles lugares em que os homens começaram a desfrutar de prazeres. Eis aí porque as artes matemáticas foram criadas no Egito, onde o lazer era permitido à casta sacerdotal.

Na Ética, apontamos a diferença entre a arte e a ciência, por um lado e as demais faculdades congêneres pelo outro; mas o objeto da presente discussão é mostrar que todos os homens entendem por Sabedoria a ciência das primeiras causas e dos princípios das coisas, de modo que, como já dissemos, o homem que possui experiência é considerado mais sábio do que os possuidores de qualquer percepção sensorial, o artista mais sábio do que os homens de experiência, e o mestre de oficio mais do que o operário; e julgamos que os conhecimentos teóricos participam mais que os produtivos da natureza da Sabedoria. É evidente, pois, ser esta o conhecimento de certos princípios e causas.